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MARKETING

Sejamos todos marketeiros

André D’Angelo
é professor e consultor de marketing.

Uma das coisas que a vida corporativa ensina é que boa parte da teoria sobre negócios que se vê em sala de aula ou se lê em revistas e livros é, no fundo, uma grande carta de boas intenções descumprida à risca. Explico: professores e autores ensinam como as coisas deveriam ser, enquanto as organizações funcionam do jeito que podem ou conseguem. A diferença entre uma coisa e outra é que faz com que nenhuma escola de negócios seja tão boa quanto a prática.

“Organizações que aprendem”, “empresas socialmente responsáveis” e “foco no longo-prazo” são algumas das pérolas que mais parecem histórias sobre aparições de extraterrestres: todo mundo já ouviu falar, mas quase ninguém viu ao vivo. “Marketing disseminado por toda a organização” é outra delas.

A idéia de que o Marketing é mais do que uma das funções das organizações foi sendo amadurecida ao longo do tempo, e ganhou notoriedade, principalmente, a partir da década de 80. A lógica por trás do argumento já havia sido defendida embrionariamente por Peter Drucker lá nos anos 60: organizações existem para atender consumidores. Por isso, independentemente da atividade de alguém dentro de uma empresa, esse profissional teria de ser, informalmente, um homem ou mulher de marketing também, pois teria como missão tácita atender bem aos clientes, ficar atento ao mercado e fazer circular informações relevantes dentro da companhia. Isso concomitantemente ao trabalho em seu setor de origem – RH, cobrança, financeiro, produção – e, claro, às demandas da vida privada, com filhos, contas e cônjuges para administrar.

Claro que o Marketing espraiado pela empresa nunca foi visto em lugar algum. Existem, sim, companhias mais voltadas para o mercado do que outras, mas o ideal do “o marketing somos todos nós” nunca passou disso, de um ideal.

Por que, então, insistir nessa ladainha?

A razão é simples: toda atividade precisa se justificar, e com o Marketing não é diferente. E o argumento decisivo nessa empreitada foi esse: mais do que uma função, o Marketing é a própria organização.

Não me surpreende que professores e autores defendam tal ideia, mas sim que executivos supostamente experientes a repitam sem uma ponta de crítica sequer. Recente pesquisa divulgada pela ADVB-RS junto a CEOs de grandes empresas gaúchas era repleta desses chavões de leitura de aeroporto:

“O cara de marketing desta empresa são as 11.500 pessoas [número de funcionários da empresa]”.

“O marketing se operacionaliza com todo mundo colocando o cliente como a coisa mais importante que tem aqui na empresa”.

Fico a pensar se este não foi um daqueles casos clássicos em que o respondente veste um personagem diante do pesquisador. Entre confessar que a rotina empresarial desmente a teoria e professar a teoria com entusiasmo, optou-se pela segunda alternativa. Até porque, do contrário, certamente as declarações desses CEOs virariam motivo de crítica em alguma sala de aula por aí, ou mesmo entre os debatedores convocados pela ADVB para comentar os resultados do estudo, competentemente realizado pela Reali Estratégia & Marketing, por sinal.

Há uma razão adicional para esse comportamento. O Marketing como um departamento da empresa é coisa antiga, da teoria que se professava na década de 1960. A teoria mais recente defende o Marketing interfuncional. E, por mais que a teoria moderna não encontre respaldo na prática moderna, ninguém gosta de passar recibo de gestor à moda antiga. Então, dê-lhe clichê.

No fundo, no fundo, interfuncional mesmo, nas empresas, é o teatro: todo mundo é um pouco ator na hora de falar sobre o que pensa e faz.

Artigo originalmente publicado no site da Revista Amanhã .

André D’Angelo

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